Música da Cena
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Dia chuvoso
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Intercâmbio - Dia 04 – Tarde e noite de terça
O começo do trabalho se deu com um exercício com bastão. Numa roda, um at(uad)or ia para o centro e começava a passar o bastão para os que estavam na roda, e recebia de volta, até que alguém se habilitasse a “tomar o foco” e passar ao centro. Quem estava anteriormente no centro precisa voltar a um lugar diferente daquele que o que entrou desocupou, e a roda precisa se reorganizar diante dessa nova formação. O grupo se dividiu em duas rodas menores para fazer esse exercício.
Em seguida, sob condução da Marta, foi feito um trabalho físico de exploração das partes do corpo. A indicação inicial foi que cada dedo dos pés eram pincéis, e pintavam o Barracão, com diferentes intensidades, diferentes formas, diferentes cores. Depois, o mesmo com os joelhos, quadril, peito, ombros, mãos, cabeça e finalmente todo o corpo. A partir daí, estes movimentos deveriam tomar forma de uma dança pessoal.
Finda a preparação, partimos para a continuação do trabalho em cima do exercício cênico a ser apresentado amanhã, mais ou menos naquela mesma estrutura: a partir do que já existia construído em Porto Alegre, as cenas iam sendo mexidas, discutidas, propostas, até chegar a um nível de acabamento ainda parcial, mas suficiente para seguir em frente.
Acho um tanto difícil, e principalmente chato, descrever o que foi feito nessa etapa. Lembro dos diários do Galpão, quando foram publicados, como eram maravilhosos quando tratavam de questões mais amplas das dificuldades, do pensamento que envolvia o processo de montagem, e como era tedioso ler “que ensaiaram tal cena, e decidiram trocar o lado pelo qual o personagem tal entrava, etc.”.
Diante disso, opto aqui por fazer uma descrição mais sucinta dessas longas horas de concepção da cena, nas quais esse desgaste de tempo, experimentações de tentativa e erro são tão necessários – e nesses processos de criação coletiva ainda mais! – para o surgimento da potência cênica que desejamos.
Bom, enquanto esse elocubração se desenvolvia, os meninos finalizaram o trabalho em cima do exercício Jogo-Medeia, ainda sem passar por todos os fragmentos, sem limpar e muito menos organizar como será a demonstração aberta. Fica tudo pra amanhã.
Antes de terminar, o Marco ainda trabalhou o arranjo instrumental do “Ai, ai, ói Nóis Aqui Traveiz”, e mesclou com o arranjo vocal. Demorou um pouquinho, mas ficou muito gostoso, vai terminar as apresentações (daqui e de SP) bem pra cima, celebrativo.
É isso. Amanhã vamos fazer os últimos ajustes, pra mostrar pro público um recorte do que foi esse nosso encontro.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
Intercâmbio - Dia 03 - Tarde e noite de segunda
Começamos hoje o trabalho só entre os grupos, sem a condução do Ernani, como nos dois dias anteriores. Sob a condução da Tânia, foi feito um exercício em roda, na qual a energia era trocada entre os participantes a partir da palma. Uma palma lançava para o outro, que recebia com outra palma “para dentro”. No início, as palmas eram trocadas num andamento mais lento e para o colega mais próximo, de um dos lados. Em seguida, essa distância e a pulsação iam ampliando, até que as palmas eram lançadas e recebidas num ritmo frenético por toda a roda. É bonito ver esse grupão trabalhando junto, ver o Ói Nóis aqui na nossa casa, bom demais.
Depois, o exercício consistia em caminhar pelo espaço, seguindo os comandos da Tânia: uma palma significava caminhar normalmente, duas palmas caminhar de costas, três caminhar com os calcanhares e quatro caminhar na ponta dos pés. Após fazer uma sequência de variações, todos voltaram a caminhar normalmente, para em seguida ir aumentando a velocidade até chegar em uma pequena corrida, e assim permaneceram por um bom tempo.
A atividade seguinte foi um bom alongamento, que levou a um trabalho técnico de impulsos e lançamentos com partes do corpo. A Tânia ainda propôs um último exercício antes de seguir para os nossos exercícios cênicos heinermullerianos: usando a estrutura clássica do jogo do rabo, ou do burro, na qual uma pessoa fica com um rabo na parte de trás da calça e deve impedir o outro de pegá-lo, eles desenvolveram uma dinâmica para trabalhar texto. Uma primeira dupla entra no centro da roda, e desenvolve o jogo ao mesmo tempo em que cada um fala um fragmento de texto. Quando o “perseguidor” consegue pegar o rabo, volta pra roda e o jogo segue com um terceiro que entra, e assim por diante. Enquanto isso, o jogo vai indicando variações e estímulos para a voz.
Finalizada essa primeira parte, sentamos numa roda para ler o roteiro do que foi apresentado em Porto Alegre. Lemos, os que estavam lá explicaram algumas lacunas, e decidimos trabalhar até às 18h, para só então darmos um intervalo (era próximo das 17h, naquele momento). Começamos então a trabalhar a partir da Projeção: Sexo. Encontramos um tecido semelhante ao usado em Porto Alegre, e começou-se a conversar sobre o que fazer com a cena. Após os que tavam em Porto Alegre aprofundarem mais a descrição, o Marco sugeriu que os quatro atores que não estavam na etapa anterior – Paulinha, Titina, Joel e Dudu – fizessem uma improvisação a partir da imagem que tinham construído da cena, complementando a criação como achassem melhor. Sem combinar antes, eles tinham que ir de sopetão.
O exercício começou até próximo da estrutura, mas logo foi para outros lugares. Os meninos se entregaram ao tema, improvisaram por um bom tempo, criando imagens muito boas, algumas situações diferentes.
Fizemos uma avaliação da cena, e vimos que apesar de ter ido para outro lugar da cena original, havia um material proposto que pode ser inserido na cena. Em seguida, o César alertou que será impossível fazer esse processo com todas as cenas, porque não temos tempo. A Tânia concordou, e ambos levantaram que é preciso estruturar com mais objetividade o trabalho para darmos conta nesse curto tempo.
Em seguida, a Martinha fez uma proposta para inserir mais gente na cena, colocando mais gente debaixo do tecido e mais gente fazendo a ambiência sonora em volta também. Foram experimentando, todos propondo ideias, como a estrutura da criação coletiva proposta pelo Ói Nóis sugere, e o Marco aproveitou o seu conhecimento para propor uma organização sonora (um revezamento dos gemidos dos homens e das mulheres, que com o tempo vai acelerando e crescendo). Nesse meio tempo, também foram lembrando de algumas marcações da cena original de PoA. Em seguida, pausa para o intervalo.
Ainda durante o lanche de intervalo, na conversa da cozinha, conversava-se sobre como organizar o trabalho para otimizar o pouco tempo que temos. Depois do intervalo, houve uma reunião pra definir a programação tanto de hoje, quanto dos outros dias. O resumo da ópera é que definiu-se que a projeção parto seria suprimida, e a vinheta parto passará a ser o equivalente à cena parto, e que hoje pegaríamos a ampliação da vinheta morte inserindo os demais instrumentos. Assim foi feito. O Marco se excluiu do grupo instrumental, manteve a Tânia e o Eugênio, e inseriu a Paulinha (sax), Camille (flauta transversal), Marta (prato), Dudu (caixa), Joel (alfaia), Titina (trompete) e Renata (clarinete). O grupão entrando em junto ficou bonito, lembrou um pouco coro do Antunes.
Em seguida, ainda pegamos o arranjo vocal do Ernani, e surpreendentemente foi muito bom!!! Confesso que esperava que eles perderiam mais, mas foi muito legal.
Pra finalizar a noite, assistimos dois vídeos juntos: um curtinha de prestação de contas do primeiro ano de atividades do nosso Ponto de Cultura, o Barracão Mambembe, e o curta de conclusão do curso de cinema de Cuba que a Ariane dirigiu, e fala sobre um centro de tratamento de jovens ucranianos vítimas das sequelas de Chernobyl. Muito bonito, singelo, delicado. Bom fim de um bom dia de trabalho.
domingo, 14 de agosto de 2011
Intercâmbio - Dia 02 - Tarde e noite de domingo
O Ernani iniciou o trabalho falando sobre o que iríamos fazer no dia de hoje. Ele elaborou um arranjo com estrutura semelhante a o que já fez uma vez conosco com a música “Is Romeo a Really Jerk”, do Kusturica, que tem momentos só instrumentais, e outros só vocais. O barato da história é que ele propôs um arranjo que mistura as duas músicas, a valsinha do Ai, Ai, Ai e o samba do Ói Nóis Aqui Traveiz.
Inicialmente, o Ernani pediu para o Beto, e depois o Joel e o Dudu (tenores), cantarem uma pequena frase musical com a seguinte letra: “Do lá pro si bemol, eu vou pro la, pro la bemol, depois pro sol”. Antes de seguir em frente, fez algumas considerações sobre a ideia da dramaturgia da música, dos caminhos que podem indicar uma frase musical, etc.
Em seguida, trabalhou com os baixos (Marco, César, Eugênio e Renan), cuja frase era “Fico no dó, fico no dó, fico no dó fico no dó fico no dó”. Nas meninas a divisão foi por grupos. As do Ói Nóis cantaram a primeira voz, e as dos Clowns abriram uma terça de Asa Branca. Em seguida, juntou tudo, e foi muito bonito ver todos cantando juntos, e muito bem! Para testar se todos conseguiriam segurar a estrutura, começou a fazer “os Óis” trocarem de lugar entre si, cada vez mais rapidamente, e ainda assim todos conseguiram manter! Por fim, o Ernani explicou que esse arranjo ele fez para o Morte e Vida Severina do Gabriel, e que gostava muito de usar em situações como essa, para fazer um primeiro reconhecimento de um grupo cantando.
O momento seguinte foi o mais lindo do dia. Ao iniciar o arranjo em si, que começa pelo Ai, Ai, Ai, o Ernani pegou os baixos, e o Renan demonstrou muita dificuldade em conseguir atingir notas mais altas, a partir do sol, até o dó que ele precisava. Confesso que em cinco anos de trabalho com o Ernani, jamais havia o visto em um momento de tamanha maestria. O Ernani foi tentando diversas abordagens pra tentar facilitar pra ele (envolvendo o corpo, movimentação pelo espaço, etc.), mas o Renan não conseguia entender o lugar que precisava mexer. O Ernani foi então envolvendo os demais baixos, depois todo o grupo se movimentando pelo espaço, mas nada ainda. Enquanto todos esperavam que novo coelho o maestro ia tirar da cartola, ele seguia tranquilo, assim como o Renan, em busca da nota perdida. Até que o Ernani, brilhantemente, “entendeu” o que tava acontecendo, e recorreu à não menos brilhante Francesca della Monica: voltou ao teclado e colocou o Renan ao seu lado, e começou a fazê-lo, desde o dó da oitava de baixo, subindo nota a nota e “lançando” cada nota mais longe, na ideia e no gesto com o braço. O incrível foi que, mesmo ainda nas notas baixas, já sabíamos que o Renan ia conseguir! E assim foi subindo, nota a nota, cada vez mais distante, até chegar no tal dó! Lindo! O mestre Ernani em plena atuação!!!!
É digno citar também a relação do Renan com a situação. Ao invés de travar ainda mais com o foco todo nele, ou sentir-se pressionado por estar supostamente “atrapalhando o trabalho”, ele manteve-se super tranquilo, disponível, buscando e experimentando. Foi bonito ver isso também!
Depois, o Ernani seguiu com o arranjo, desta vez dividiu as meninas por naipe: Renata, Tânia e Titina contraltos, e Paula, Paulinha, Camille e Marta sopranos. O arranjo foi surgindo e, quando todos pegaram o arranjo – que ficou belo! –, foi hora de transformar a música em samba, pra daí apontar pro Adoniran. O Renan foi pro surdo, e a Titina pro pandeiro. O arranjo então ficou assim: o Ai, Ai, Ai é cantado duas vezes na valsinha, entra o breque e duas vezes no samba. Feito isso, pipi pausa, como diria a Francesca.
O tempo depois da volta do intervalo foi basicamente para ajustar o arranjo, colocar tudo junto (valsa e samba). E ficou belo! O que não é nenhuma surpresa conhecendo o Ernani. Bonito, poético, forte e, principalmente, festivo, celebrativo, terminando nesse grande sambão, essencial pra representar a felicidade desse encontro!
Por fim, batemos um papo sobre esses dois dias de trabalho, e nos despedimos, para levar o Tio Nani ao aeroporto. Grazie mille, Nanino!!!!
sábado, 13 de agosto de 2011
Seminário Natal - Dia 02 - Noite de sábado
Registrar um bate-papo é uma tarefa um tanto ingrata. Ou transcrevo – o que não e muito prático nem interessante – ou faço uma descrição mais analítica sem entrar em detalhes do conteúdo, o que pode incorrer em falta de clareza para quem não estava presente. No entanto, vou optar pela segunda alternativa, porque acho mais interessante e os bate-papos foram registrados em vídeo, então quem tiver vontade é bem melhor assistir diretamente o registro videográfico.
Tivemos um excelente quórum hoje também. Além disso, o debate foi acalorado, o que tornou a noite mais interessante!
Após o “cerimonial” do Marco, o Ernani começou falando basicamente o mesmo que tinha dito à tarde para nós. Como o César comentou em off comigo, “aquela aula ele já tinha pago”. Foi interessante ver como o Ernani ajustou o discurso a partir do que conversamos à tarde. Citou, inclusive, a metáfora dos “planetas”, que também rendeu uma série de referências ao longo da noite.
Em seguida, o Alex falou de forma muito sucinta e objetiva da sua forma de trabalhar, em especial a questão dos acordos e negociações que é a base do trabalho do Ói Nóis.
O Danilo Guanais, então, se colocou como “do planeta música”, e apontou que os conceitos musicais são conhecidos por todos, e cabe aos profissionais dessa área apenas apontar os caminhos.
Por fim, o Sávio fez uma exposição partindo da sua área de conhecimento, a cenografia, associando ao tema da mesa por dois vieses: pelo fato de serem áreas normalmente colocadas em um lugar de “subserviência” ao trabalho do ator – e que ele acha importante que também haja a preocupação na criação de espaços de formação para essas áreas –, e pelas relações físicas que a cenografia tem com a música, a partir da ideia espacial que toca as duas.
A partir daí, o bicho pegou! Começou com o Marco colocando que, na sua experiência pessoal, a tese que o Danilo defende de que os conceitos musicais já são inerentes ao senso comum é falsa, porque ele se depara com diversas experiências no qual as pessoas não conseguem manter uma pulsação ou uma divisão rítmica simples, por exemplo. O Danilo disse que na experiência dele isso nunca existiu, e o primeiro impasse se instaurou no Barracão.
Em seguida, dentre inúmeras falas, o Rafael (Telles, produtor dos Clowns) disse que discordava do Sávio quando ele falou que não existia a possibilidade de criação coletiva, pois toda criação é individual. A partir de então, o caos aflorou! O Sávio replicou colocando que não acreditava nos processos de criação coletiva que surgiram a partir de experiências como o proposto pelo grupo colombiano La Candelária na década de 60, tocando exatamente na ferida do Ói Nóis – ao meu ver, sem a noção do tamanho da afronta que estava cometendo (sim, Taninha, pode comentar aqui que tem certeza que foi proposital!!!) –, e a partir daí estabeleceu-se um embate caloroso sobre a suposta impossibilidade de se criar coletivamente. Os defensores – Sávio e Danilo – afirmavam que qualquer criação é individual, e que a única coisa possível é se construir coletivamente, e não criar. Os opositores, Ói Nóis e mais alguns outros, afirmavam que qualquer criação que se dava na relação de jogo era de autoria coletiva. O debate se estendeu enormemente, com um lado argumentando fortemente a favor da criação coletiva, e do outro os professores afirmando que se tratava de uma questão etimológica, numa clara postura de que “nada mudaria a ideia deles”.
Como sou o relator “oficial” deste espaço, me darei o direito de expor a minha posição diante disso, como coloquei no bate-papo. Na forma como estava acompanhando o raciocínio do Sávio, ele inicialmente estava falando sobre o processo mental da criação de uma ideia, tanto é que citou uma conversa dele com o César, certa vez, em que eles vislumbravam um dia a possibilidade de um upload/download de pensamento, de cérebro para cérebro. Ele estava defendendo que só era possível a criação de uma ideia individualmente, já que não é possível se estabelecer uma sinapse de neurônios de cérebros diferentes. No entanto, usou o termo que criação coletiva não era possível, o que mexeu com o Ói Nóis, e com a pergunta do Rafa o Sávio desviou do que falava inicialmente, e acabou se posicionando sobre a questão da criação coletiva/processo colaborativo dentro do teatro, de forma muito incisiva, e aí a discussão foi pra outro lugar. No final das contas, eu acho que o Sávio e o Danilo estavam equivocados em entender que apenas uma ideia é criada, como se uma cena não pudesse ser criada também, apenas construída. Obviamente que uma cena pode ser criada, e no momento em que surge a partir de proposições de diferentes pessoas, passa a ser de autoria coletiva, independente de estar num processo colaborativo, de criação coletiva ou direção autocrática. Com um lado falando sobre uma coisa, e o outro sobre outra, o impasse estava fadado a se prolongar ad infinitum, sem que nada fosse transformado na cabeça de nenhum dos lados, mesmo eu acreditando que os que atacavam a ideia da impossibilidade do coletivismo na criação tinham razão. No entanto, cada lado estava falando sobre coisas diferentes, e o embate caiu numa situação em que um lado deixava clara a urgência em convencer o outro, enquanto o outro deixava também claro que não iria se deixar dobrar sob hipótese alguma, porque a questão estava colocada na etimologia. Enfim, apesar de um tanto inútil, a discussão foi muito animada, é sempre bom ver argumentações de pessoas inteligentes, e deu uma animada na noite! Além disso, me deliciei em ver a queridíssima Tânia Farias, companheira de tantas lutas, defendendo o seu ponto de vista com todo o coração, como é peculiar a essa figurinha tão especial. O que falta em tamanho sobra em dignidade, inteligência, garra e paixão pelo que faz e acredita. Evoé, Taninha!
É importante relatar que o Ernani, no final, colocou um exemplo, ao meu ver, um tanto definitivo: Ele disse que se ele pedir para três atrizes improvisarem a partir de um tema comum, não há como negar que a criação daquele material é das três. Obviamente, nem com este argumento os defensores abriram mão de sua posição, já que àquela altura o embate de forças já era mais importante do que a questão em si!
Ao fim e ao cabo, acho que foi excelente levantar essa bola, já que tenho um palpite que, mesmo sem ter o enfoque que teve, a música está sendo o fio condutor para, nesse projeto, tocarmos um ponto ainda mais rico de reflexão e encontro entre nossos grupos, que é justamente a questão das diferentes formas de condução de trabalho, em todas as suas idiossincrasias, diferenças e semelhanças.
Simbora!
Intercâmbio - Dia 01 - Tarde de sábado
Vindo direto do aeroporto pro Barracão, com um rápido pit stop de almoço, o Ernani abriu o dia de trabalho expressando toda a sua felicidade em estar aqui, encontrando o Ói Nóis, de quem já ouviu falar muito, e nos reencontrando. A Taninha aproveitou pra dizer que eles já desejavam trabalhar com ele, e que tinham proposto a nós incluí-lo no projeto sem saber que ele já era nosso parceiro, e que também estão muito felizes com esse encontro.
Em seguida, a Tânia fez a proposta que eles pensaram para o trabalho com o Ernani, que ela já tinha nos falado ontem, mas acho que esqueci de relatar: nesses dois curtos dias com o maestro, pegarmos a música que deu origem ao nome deles, que se chama “Ói Nóis Aqui Traveiz”, do Adoniran Barbosa, que é uma espécie de hino deles, e uma outra que representasse o mesmo para nós, e trabalhássemos um arranjo para cada música com o Ernani, que possa ser usado na abertura ou encerramento do exercício que vamos apresentar quarta e, depois, em São Paulo.
Ele respondeu que não esperava ter que trabalhar “tão efetivamente”, que esperava que apenas assistisse a nossa troca e desse algumas contribuições. Diante da proposta, aceita prontamente, ele achou importante expor algumas reflexões sobre as quais ele vem se debruçando ultimamente, e que achava importante falar antes que começássemos a fazer um trabalho como este que estávamos propondo.
Ernani conversou sobre as suas atuais inquietações em relação à música no teatro. Ele fez um apanhado do conceito do senso comum, que costuma colocar o teatro como uma arte que sintetiza as outras artes (música, artes plásticas, literatura, etc.). A partir daí, ele defende que os conceitos musicais não são “propriedade da música”, e sim algo que é anterior à qualquer tipo de codificação. Assim, acha que a “música da música” é diferente da “música do teatro”, e que não devemos ir buscar na música os conceitos e estruturas para a criação da música do teatro, e sim no próprio teatro. Citou o Gabriel (Villela) ao dizer que o lugar do teatro é o da subversão, da transgressão, e depois citou também a Francesca (Della Monica), que diz que na música o som vem antes da palavra, ou seja, a palavra vem posteriormente explicar o que o som apresenta. Já no teatro, a palavra vem antes do som, ou seja, a música surge para dar sentido ao pensamento que a cena propõe. O Ernani ainda criou uma metáfora, que depois geraria um rico debate, que definia o “planeta teatro” e o “planeta música”, e que dizia – resumindo grosseiramente – que ao habitante do planeta teatro não era necessário migrar para o planeta música para fazer a sua formação teatral, partindo daquele princípio de que os conceitos musicais não são propriedades exclusivas da música.
Em seguida, o Ernani disse que o que vamos fazer é o contrário a tudo que ele falou, já que essa proposta de trabalhar o arranjo das músicas, sem ter um sentido de aplicação da cena, por isso ele achava importante fazer todo esse preâmbulo para o trabalho.
A pedido do Ernani, o Ói Nóis, cantou, de sopetão, a música do Adoniran. O Ernani fez um rápido ajuste de tom, pediu que o Ói Nóis cantasse de novo para, em seguida, todos de pé começarem a cantar enquanto reproduziam uma sequência de passos proposta por ele.
Depois foi a vez do Ernani pedir aos Clowns que mostrassem a sua música. O César explicou que não temos uma música “símbolo”, um “hino”, como é o caso do Ói Nóis, mas que, no entanto, existem algumas canções que fazem parte da nossa história. Propôs “Seja firme, Capitão”, uma canção descartada do processo do Capitão e a Sereia. O resto do grupo não achou uma boa sugestão, até que se chegou a “Ai, ai, ai”, do Muito Barulho por Quase Nada.
Os Clowns começaram a cantar, e depois todos cantaram juntos. Aos poucos, o Ernani foi calando os Clowns, um a um, até restarem só “oi Óis”, como ele dizia. Depois, foi tirando “os Óis” que estavam mais seguros da letra e da melodia, até todos voltarem a cantar juntos de novo.
O exercício seguinte foi a ciranda. Aproveitando o compasso ternário da música, ensinou uma coreografia semelhante a uma dança de côrte, e quando todos entenderam razoavelmente a estrutura, partiram para dançar enquanto cantavam o Ai, ai, ai. Como já havia acontecido quando trabalhou com o grupo anos atrás, a música “se ajustou” naturalmente, tanto a afinação, quanto a letra.
Feito isso, o Ernani fez algumas considerações sobre o trabalho e pediu que cada um pegasse um instrumento.
Enquanto o Ernani começava a fazer o arranjo do “Ói Nóis Aqui Traveiz” com o escaleta (Marco), Saxofones (Tânia e Eugênio) e violão (Beto), os demais começaram a fazer uma farra com os demais instrumentos, tocando “Cabeleira do Zezé”, se divertindo na mesma proporção em que atrapalhavam os que tentavam trabalhar. Ainda assim o Ernani cumpriu essa primeira etapa do trabalho, com muita perspicácia regeu a bandinha de carnaval “Ói os Clowns de Shakespeare Aqui Traveiz”, e acabou com a farra com classe. Voltando ao arranjo, foi inserindo os demais instrumentos: clarineta (Paulinha – a dos Clowns chamarei de Paulinha, e a do Ói Nóis de Paula), trompete (Marta, que pela primeira vez pegou no instrumento e já conseguiu um sopro limpo e boas notas) e percussão e voz (Camille/cowbells, Paula/pandeiro, César/alfaia, Renan/caixa, Titina/ganzá, Joel/coquinhos, Renata e Dudu). Em seguida, com algumas pequenas alterações de ator/instrumento, o Ernani fez o mesmo com um trechinho inicial do Ai, ai, ai.
Todos sentaram em roda, depois, e o Ernani explicou que fez apenas um pequeno exercício com os instrumentos, já que o Marco seria uma pessoa mais indicada que ele para fazer esse tipo de trabalho, e que ele, amanhã, trará um arranjo de voz para essas duas músicas, que é a praia dele realmente.
O maestro aproveitou para pedir que conversássemos um pouco sobre o que ele falou no início, já que se tratava de reflexões recentes dele sobre a questão da música no teatro, e que interessava pra ele ouvir de nós, em especial do Ói Nóis, sobre como eles trabalham a música e como essas questões que ele apontou dialogavam com a prática dele.
Tivemos uma ótima conversa, na qual levantamos diversos aspectos sobre as reflexões do Ernani, e encerramos o trabalho do dia para preparar o espaço pro seminário, mais tarde.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Seminário Natal - Dia 01 - Noite de sexta
O primeiro aspecto a ser relatado – e enaltecido! – foi que tivemos mais de 40 pessoas (dentre elas, é preciso admitir, todos nós dos Clowns e Ói Nóis) no Barracão. Mesmo com esse quórum “da casa”, ainda assim tivemos um público muito acima do que normalmente temos em eventos de pensamento deste tipo. Sinal que há interesse no tema, mas acredito também que fizemos uma divulgação em nichos específicos que funcionou e, principalmente, que há um desejo enorme dos artistas natalenses em conhecer o Ói Nóis, mesmo que, desta vez, ainda não com espetáculo. Enfim, tivemos presentes integrantes dos grupos Estandarte, Facetas, Arkhétypos, Estação, Bololô, além da banda Rosa de Pedra, de professores e alunos da UFRN e, o que é mais especial, de interessados em geral, que ampliou o grupo para além daquelas caras de sempre.
O Marco abriu os trabalhos descrevendo rapidamente o projeto, e passou a palavra à Tânia, que fez um belo relato sobre a história do Ói Nóis, e em seguida sobre o trabalho musical do grupo. O Alex completou o relato, falando também da sua própria trajetória e como se deu o encontro com o Ói Nóis.
Em seguida, o César fez as honras da casa, falando já sobre o nosso histórico com a criação musical, complementado pelo Marco. Antes de abrirmos para o bate-papo, ainda exibimos o vídeo do encontro de Porto Alegre, como forma de alimentar ainda mais o repertório para a conversa.
Com a participação de vários dos presentes, o bate-papo foi muito rico e variado. Não acredito que valha a pena relatar as falas em si, até porque estão registradas em vídeo para quem possa interessar. No entanto, acho que é importante apontar que acredito que todos os temas que permeiam esse projeto acabaram sendo contemplado nas perguntas, colocações, respostas, questionamentos: pedagogia da música, subversão, música na cena “quando há e quando não há música”, diferenças entre músicos e atores, criação coletiva e direção, etc.
Antes de finalizar o dia, o Ói Nóis ainda falou sobre a Cavalo Louco e sua trajetória desde a necessidade em valorizar a memória do grupo e do teatro “fora dos centros”, até hoje, que chegam à décima edição, com uma seção especial do primeiro encontro do Conexão Música da Cena em Porto Alegre.
Finda a primeira etapa desta jornada, seguimos para casa descansar, para amanhã continuarmos o trabalho, como queridíssimo Ernani Maletta.