quinta-feira, 7 de julho de 2011

Depoimentos e reflexões dos participantes do debate Música para teatro em Porto Alegre

Depoimento de Flávio Oliveira no debate

A Música para teatro em Porto Alegre

Este acontecimento é uma surpresa muito grande. Na minha modesta experiência aqui nesta cidade, e eu nasci em 1944, nunca houve um encontro sobre música de cena, esse é o primeiro. Partiu desse grupo que eu vi nascer.

Eu tive a sorte de ter uma formação muito rica. Estudei na escola antiga até 1962, com o modelo francês em que se aprendiam várias línguas. Também tive uma formação muito completa musicalmente, apesar de não conseguir frequentar a escola de música, pois tinha uma dificuldade com o formal, eu tive essa formação fora daqui, depois.

Sobre música é muito difícil falar. Eu trabalhei com muitos grupos e coletivos com visões completamente diferentes, eu sempre queria que as coisas estivessem muito claras para que eu pudesse trabalhar, não importava quem tivesse a ideia da encenação. Se o diretor dissesse, por exemplo, “eu quero uma música verde”, ficava difícil. Mas se ele dissesse “eu quero algo em torno de ritmos assim e assado” acabava funcionando na prática, quando a gente começava a ensaiar.

Um dos trabalhos que mais me cativou nos últimos anos, não em detrimento dos outros, foi com a Usina do Trabalho do Ator (UTA), porque é tudo feito pelo grupo, é tudo pensado, sentido, criado. Tem um vai e vem constante. Eu coloco rimas e metros, aí o grupo me dá um monte de músicas para eu escutar, músicas que são mais ou menos o que eles estão sentindo, e então eu devolvo. Esse trabalho de interação não autoritário me fascina.

É necessário ter oficinas de preparação vocal do ator, para o ator saber que pode cantar com a voz dele. Uma vez fizemos um vídeo e criamos uma regra que o Eisenstein já usava em seus filmes, ou seja, o que a imagem mostra o texto e a música não dizem, o que a música diz a imagem e o texto não mostram. Então as três funções nunca redundam e se redundar é de propósito, é porque têm uma finalidade. Qualquer escola de teatro em qualquer país estrangeiro tem técnica vocal, esgrima, dança, etc. Pena que no Brasil não tem mais essas coisas.

Quando o Vianinha veio para Porto Alegre eu estava fazendo um espetáculo ainda no Teatro de Equipe, e discutiu-se exaustivamente um monte de coisa, o Aníbal Damasceno Ferreira perguntou pra ele sobre o nosso espetáculo: “Sobre a música, o que tu tens a dizer?”, ele respondeu: “Mas tinha música?”. Eu digo que com isso posso morrer em paz, ele não foi insincero, foi uma maneira de ele expressar que alguma coisa tinha conjuminado, tinha funcionado.

Antigamente nós trabalhávamos com playback, a música gravada com o ator cantando em cima, pois o custo era muito menor. Claro, se colocássemos conjuntos instrumentais, músicos em cena, seria maravilhoso! Mas um músico em cena custa muito caro no Brasil. Essa coisa do mercado.

Tecnologicamente não há diferença entre os recursos que se utilizavam antes e os que se utilizam agora. Porém nós tínhamos a sorte de naquela época poder colocar em cena os autofalantes com uma decibelagem civilizada, que não ensurdecesse a plateia. Hoje não, se não colocarmos quatrocentas toneladas de som para esmagar a plateia está ruim. Porém, pouca coisa mudou quanto às tecnologias, elas podem ser melhor aproveitadas hoje, mas o que mudou foi a cabeça, o trabalho. Hoje em dia é muito melhor trabalhar, existe muito mais interação, muito mais aceitação da diversidade, que cada um pensa de um jeito. Em quase cinquenta anos isso mudou bastante.

A grande parte das músicas que eu fiz foram gravadas – eu procurei documentar tudo – e as partituras escritas tanto na linguagem da música convencional, como também em outros códigos que eram possíveis ou melhores para os atores entenderem. Isso era uma experiência interessante, as pessoas diziam “ah eu não entendo nada de música”, mas música não tem que entender, música a gente faz. Ela é essencial à criação de um espetáculo assim como o silêncio.

*Flávio Oliveira é compositor e pianista, licenciado em Grego e Português pela UFRGS. Exerceu atividades docentes na área de composição, orquestração e análise no IA-UFRGS, ECA-USP, ILA-UFSM, Conservatório Musical-UFPEL e FUNDARTE. Compõe para o teatro desde 1964, sendo que muitas de suas músicas de cena receberam prêmios locais e nacionais.



MÚSICA CÊNICA E TRILHA SONORA TEATRAL

Marcos Chaves*

A música e o teatro possuem vários conceitos que se ligam e se cruzam. Para refletir a música cênica nas montagens teatrais, seja em qualquer lugar ou espaço, podemos observar seu mínimo: o som. Parte de uma obra audiovisual como o teatro, a sonoridade do espetáculo vai além de músicas ou canções de cena.

A trilha sonora no teatro e a música cênica são a mesma coisa, mas não que trilha no teatro seja apenas as músicas inseridas. Ao tratarmos de sonoridade, temos a voz do ator como parte deste contexto ligado à musicalidade do espetáculo.

Trilha sonora é um termo importado do cinema (que foi substituído por desenho de som), e não há problemas em trazermos tal conceito para o teatro, mas é importante lembrar que a “banda sonora” do cinema, de onde veio o termo, abarca todos os sons do filme: sons concretos, sons musicais, música e voz.

Podemos incluir os mais diversos sons ao pensar na sonoridade do espetáculo, e também atribuir um nome que se encaixe melhor à sua proposta, a terminologia, neste caso, não é o mais importante. Chame de trilha, música cênica, repertório, paisagem sonora ou o que for, basta que um grupo tenha um entendimento, no seu processo de criação, dos signos sonoros do espetáculo teatral, e que o profissional responsável pela criação possa fazer a interlocução de conceitos musicais com o elenco e equipe.

Como ator e criador de trilha para teatro, além de pesquisador deste tema, busco aproximações da sonoridade de um espetáculo teatral com o trabalho prático do ator, onde sua voz é o mais importante meio de produção sonora. O som, a tonalidade e intenção na voz do ator dizem mais, em alguns casos, do que o texto que o artista pronuncia. Com sua voz, o ator trabalha a fala e o canto no contexto da musicalidade.

Trabalhando nas duas primeiras peças da trilogia As Três Batidas de Molière do Grupo Farsa de Porto Alegre, iniciada com O Avarento em 2009 e procedida com Tartufo em 2011, observei um fato recorrente a muitas montagens teatrais: o receio dos atores de cantar em cena. Ambas as montagens do grupo gaúcho são bem sucedidas nas músicas cantadas, inclusive utilizando tal recurso como forte elemento da encenação, mas demandaram, em seus processos de criação, uma preparação vocal presente aliando o aprimoramento individual e em conjunto.

Os medos dos atores com o canto em cena chegam a um fato: nossa sociedade é mais visual do que sonora. Temos que exercitar nossa escuta.

* Marcos Chaves é artista teatral e musical. Ator, criador de trilha sonora, diretor musical e preparador vocal de O Avarento e Tartufo do Grupo Farsa de Porto Alegre. Mestrando em Artes Cênicas (UFRGS), Especialista em Encenação Teatral (FURB) e formado em Música (UFPEL).



INTERAÇÃO E POSSIBILIDADES

Johann Alex de Souza*

Há tempos a Música tem sido a minha identidade, opção de vida e ganha pão. O primeiro contato com o teatro se deu, também, graças a ela, assim a música para Teatro é um dos ofícios que eu venho celebrando e aprendendo nos últimos onze anos.

Grande parte desta trajetória eu devo a essa relação de trabalho com o grupo teatral Ói Nóis Aqui Traveiz o que me proporcionou colocar em prática muitas das minhas ideias, temas e motivos sonoros. Recentemente venho me debruçando em termos de pesquisa sobre a questão. Meu trabalho de conclusão, no curso de graduação em música da Universidade Estadual do Rio Grande do sul, foi a gravação de músicas compostas originalmente para Teatro (no CD Ópera de Quarto em parceria com a cantora e atriz Leonor Melo). Mais adiante, no curso de especialização em Pedagogia da Arte na UFRGS, investiguei a construção de saberes musicais no grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, em uma monografia intitulada Por onde é a Trilha?. Desta forma, vejo a proposta do seminário Música da Cena, realizado no início de abril na Terreira da Tribo, como algo de total relevância para estas duas áreas, no caso Música e Teatro, além da elogiável iniciativa de seus promotores.

Entendo que o procedimento de criar música para Teatro trás em si várias possibilidades. Citando apenas algumas: processo fonográfico, interpretação própria (quando o autor também trabalha como músico de cena) e execução de outros (no caso quando os membros do grupo teatral cantam e tocam). Sobre esta última hipótese, atores executando música em cena, o campo para debates é vasto. Ocorre que, na maior parte dos casos, o ensino tradicional de música não leva em conta, como deveria, o corpo do músico. Estas técnicas aparecem nos posicionamentos específicos para cada instrumento, sopros, cordas, percussão etc.. Já o ator utiliza a totalidade do seu corpo. Porém, ambos são saberes bem construídos. Um ator leva anos para conhecer o seu corpo e a sua voz, que são o desenvolvimento da sua arte, um músico também tem uma trajetória de saber estabelecido. Assim, quando a música está no terreno do Teatro, um ator estar de pés descalços, corpo alongado e reverenciando o chão, apenas estas ações não serão garantias de um pleno domínio da execução musical por parte dele. Neste sentido aposto na criação de uma pedagogia musical para o ator.

Outra questão que percebo é a necessidade que deve existir, por parte do ator, encenador ou grupo, de entender, além das habilidades manuais ou vocais, o funcionamento da linguagem em música. Isso é independente do alfabeto musical, tanto que na história da música há exemplos célebres de gênios que dominaram muito bem esta linguagem e não sabiam ler partituras. A linguagem musical são as leis e sistemas para combinações de sons. Aquilo que nos livros é chamado de tonalidade e que alguns artistas dominam naturalmente, ou de ouvido como dito, sem saber explicar. A certeza, que muitas pessoas têm, ao ouvir vários sons, de que algo está desafinado. A habilidade de saber o que o baixo tem de fazer para combinar com a guitarra. A clareza de perceber que uma flauta não faz acordes, ou a diferença entre conceitos de harmonia e melodia.

Na cultura ocidental o sistema vigente, na arte da música, ainda é o tonal e até para romper com ele é preciso dominá-lo muito bem. Para se lidar com qualquer tipo de proposta deve-se estar apto a reproduzir os imaginários culturais e as suas representações sonoras até mesmo com as convenções fonográficas de época. Se a demanda for, por exemplo, uma ladainha de procissão o caminho não será, penso eu, inventar uma ladainha “surrealista”, que nenhum espectador irá reconhecer como música sacra, só porque os atores não conseguem executar uma ladainha convencional. Concordo que todo som pode ser música se o artista, no caso o grupo teatral, estabelecer, em sua criação, que todo som que houver será música. Mas, em contraponto, apenas partir do principio de que qualquer som pode ser música é deixar tudo muito amplo e ao mesmo tempo limitado. Ninguém irá rir de uma paródia cômica se não reconhecer, auditivamente, o tema parodiado.

Como consideração final divido com o leitor o meu sonho de uma interação maior entre Música e Teatro.

*Johann Alex de Souza é músico, compositor e professor de educação artística. Graduou-se no curso de Licenciatura em Música pela UERGS/FUNDARTE e fez especialização em Pedagogia da Arte FACED/UFRGS. Compôs música de cena para o grupo teatral Vento Forte (SP) e Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz.



A Música para Teatro

Luiz André da Silva*

Acredito que as carências não são exclusividade do contexto porto-alegrense, percebo muitos fatores em comum aos grupos de teatro que utilizam a música como ferramenta integrativa à cena.

Pergunto às atrizes e atores: Como está sua ferramenta de trabalho, sua voz? Tem feito sistematicamente o trabalho de preparação vocal? Independente de ter ensaio/apresentação ou não? Tem estudado sistematicamente algum instrumento musical ou canto? Ou pesquisado pelo menos? Conhece elementos básicos de estrutura musical? Sabe operar algum equipamento de som? Ou pelo menos para que servem e como funciona cada um? Tem escutado bastante música(s)...?

Quantas destas perguntas você respondeu afirmativamente? Não vale a resposta “mais ou menos”.

A dedicação em relação ao domínio dos elementos destas questões deve ser a mesma dedicação aplicada aos exercícios de cena, corpo, estética, movimento, etc.

Devemos pensar a cena teatral a partir da exploração dos sentidos humanos como um todo (até os mais subjetivos). Hoje existe uma ênfase ao visual, à estética de movimentos corporais e alguma preocupação básica com a sonoridade, quase uma conseqüência trivial. No entanto, a chamada expressão corporal se refere ao corpo inteiro de sensações e a música atende e estimula muitas dessas sensações.

Quando todas aquelas questões forem respondidas com “sim” pelos grupos de teatro afirmo a vocês: estaremos vivenciando um momento de ressignificação deste paradigma onde a linguagem é simplesmente cultural.

*Luiz André da Silva é regente, compositor, arranjador e instrumentista, diretor musical e produtor de diversos espetáculos de música e teatro, diretor fundador da Escola de Música EArte.

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