sábado, 13 de agosto de 2011

Intercâmbio - Dia 01 - Tarde de sábado

Vindo direto do aeroporto pro Barracão, com um rápido pit stop de almoço, o Ernani abriu o dia de trabalho expressando toda a sua felicidade em estar aqui, encontrando o Ói Nóis, de quem já ouviu falar muito, e nos reencontrando. A Taninha aproveitou pra dizer que eles já desejavam trabalhar com ele, e que tinham proposto a nós incluí-lo no projeto sem saber que ele já era nosso parceiro, e que também estão muito felizes com esse encontro.

Em seguida, a Tânia fez a proposta que eles pensaram para o trabalho com o Ernani, que ela já tinha nos falado ontem, mas acho que esqueci de relatar: nesses dois curtos dias com o maestro, pegarmos a música que deu origem ao nome deles, que se chama “Ói Nóis Aqui Traveiz”, do Adoniran Barbosa, que é uma espécie de hino deles, e uma outra que representasse o mesmo para nós, e trabalhássemos um arranjo para cada música com o Ernani, que possa ser usado na abertura ou encerramento do exercício que vamos apresentar quarta e, depois, em São Paulo.

Ele respondeu que não esperava ter que trabalhar “tão efetivamente”, que esperava que apenas assistisse a nossa troca e desse algumas contribuições. Diante da proposta, aceita prontamente, ele achou importante expor algumas reflexões sobre as quais ele vem se debruçando ultimamente, e que achava importante falar antes que começássemos a fazer um trabalho como este que estávamos propondo.

Ernani conversou sobre as suas atuais inquietações em relação à música no teatro. Ele fez um apanhado do conceito do senso comum, que costuma colocar o teatro como uma arte que sintetiza as outras artes (música, artes plásticas, literatura, etc.). A partir daí, ele defende que os conceitos musicais não são “propriedade da música”, e sim algo que é anterior à qualquer tipo de codificação. Assim, acha que a “música da música” é diferente da “música do teatro”, e que não devemos ir buscar na música os conceitos e estruturas para a criação da música do teatro, e sim no próprio teatro. Citou o Gabriel (Villela) ao dizer que o lugar do teatro é o da subversão, da transgressão, e depois citou também a Francesca (Della Monica), que diz que na música o som vem antes da palavra, ou seja, a palavra vem posteriormente explicar o que o som apresenta. Já no teatro, a palavra vem antes do som, ou seja, a música surge para dar sentido ao pensamento que a cena propõe. O Ernani ainda criou uma metáfora, que depois geraria um rico debate, que definia o “planeta teatro” e o “planeta música”, e que dizia – resumindo grosseiramente – que ao habitante do planeta teatro não era necessário migrar para o planeta música para fazer a sua formação teatral, partindo daquele princípio de que os conceitos musicais não são propriedades exclusivas da música.

Em seguida, o Ernani disse que o que vamos fazer é o contrário a tudo que ele falou, já que essa proposta de trabalhar o arranjo das músicas, sem ter um sentido de aplicação da cena, por isso ele achava importante fazer todo esse preâmbulo para o trabalho.

A pedido do Ernani, o Ói Nóis, cantou, de sopetão, a música do Adoniran. O Ernani fez um rápido ajuste de tom, pediu que o Ói Nóis cantasse de novo para, em seguida, todos de pé começarem a cantar enquanto reproduziam uma sequência de passos proposta por ele.

Depois foi a vez do Ernani pedir aos Clowns que mostrassem a sua música. O César explicou que não temos uma música “símbolo”, um “hino”, como é o caso do Ói Nóis, mas que, no entanto, existem algumas canções que fazem parte da nossa história. Propôs “Seja firme, Capitão”, uma canção descartada do processo do Capitão e a Sereia. O resto do grupo não achou uma boa sugestão, até que se chegou a “Ai, ai, ai”, do Muito Barulho por Quase Nada.

Os Clowns começaram a cantar, e depois todos cantaram juntos. Aos poucos, o Ernani foi calando os Clowns, um a um, até restarem só “oi Óis”, como ele dizia. Depois, foi tirando “os Óis” que estavam mais seguros da letra e da melodia, até todos voltarem a cantar juntos de novo.

O exercício seguinte foi a ciranda. Aproveitando o compasso ternário da música, ensinou uma coreografia semelhante a uma dança de côrte, e quando todos entenderam razoavelmente a estrutura, partiram para dançar enquanto cantavam o Ai, ai, ai. Como já havia acontecido quando trabalhou com o grupo anos atrás, a música “se ajustou” naturalmente, tanto a afinação, quanto a letra.

Feito isso, o Ernani fez algumas considerações sobre o trabalho e pediu que cada um pegasse um instrumento.

Enquanto o Ernani começava a fazer o arranjo do “Ói Nóis Aqui Traveiz” com o escaleta (Marco), Saxofones (Tânia e Eugênio) e violão (Beto), os demais começaram a fazer uma farra com os demais instrumentos, tocando “Cabeleira do Zezé”, se divertindo na mesma proporção em que atrapalhavam os que tentavam trabalhar. Ainda assim o Ernani cumpriu essa primeira etapa do trabalho, com muita perspicácia regeu a bandinha de carnaval “Ói os Clowns de Shakespeare Aqui Traveiz”, e acabou com a farra com classe. Voltando ao arranjo, foi inserindo os demais instrumentos: clarineta (Paulinha – a dos Clowns chamarei de Paulinha, e a do Ói Nóis de Paula), trompete (Marta, que pela primeira vez pegou no instrumento e já conseguiu um sopro limpo e boas notas) e percussão e voz (Camille/cowbells, Paula/pandeiro, César/alfaia, Renan/caixa, Titina/ganzá, Joel/coquinhos, Renata e Dudu). Em seguida, com algumas pequenas alterações de ator/instrumento, o Ernani fez o mesmo com um trechinho inicial do Ai, ai, ai.

Todos sentaram em roda, depois, e o Ernani explicou que fez apenas um pequeno exercício com os instrumentos, já que o Marco seria uma pessoa mais indicada que ele para fazer esse tipo de trabalho, e que ele, amanhã, trará um arranjo de voz para essas duas músicas, que é a praia dele realmente.

O maestro aproveitou para pedir que conversássemos um pouco sobre o que ele falou no início, já que se tratava de reflexões recentes dele sobre a questão da música no teatro, e que interessava pra ele ouvir de nós, em especial do Ói Nóis, sobre como eles trabalham a música e como essas questões que ele apontou dialogavam com a prática dele.

Tivemos uma ótima conversa, na qual levantamos diversos aspectos sobre as reflexões do Ernani, e encerramos o trabalho do dia para preparar o espaço pro seminário, mais tarde.

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