sábado, 13 de agosto de 2011

Seminário Natal - Dia 02 - Noite de sábado

Registrar um bate-papo é uma tarefa um tanto ingrata. Ou transcrevo – o que não e muito prático nem interessante – ou faço uma descrição mais analítica sem entrar em detalhes do conteúdo, o que pode incorrer em falta de clareza para quem não estava presente. No entanto, vou optar pela segunda alternativa, porque acho mais interessante e os bate-papos foram registrados em vídeo, então quem tiver vontade é bem melhor assistir diretamente o registro videográfico.

Tivemos um excelente quórum hoje também. Além disso, o debate foi acalorado, o que tornou a noite mais interessante!

Após o “cerimonial” do Marco, o Ernani começou falando basicamente o mesmo que tinha dito à tarde para nós. Como o César comentou em off comigo, “aquela aula ele já tinha pago”. Foi interessante ver como o Ernani ajustou o discurso a partir do que conversamos à tarde. Citou, inclusive, a metáfora dos “planetas”, que também rendeu uma série de referências ao longo da noite.

Em seguida, o Alex falou de forma muito sucinta e objetiva da sua forma de trabalhar, em especial a questão dos acordos e negociações que é a base do trabalho do Ói Nóis.

O Danilo Guanais, então, se colocou como “do planeta música”, e apontou que os conceitos musicais são conhecidos por todos, e cabe aos profissionais dessa área apenas apontar os caminhos.

Por fim, o Sávio fez uma exposição partindo da sua área de conhecimento, a cenografia, associando ao tema da mesa por dois vieses: pelo fato de serem áreas normalmente colocadas em um lugar de “subserviência” ao trabalho do ator – e que ele acha importante que também haja a preocupação na criação de espaços de formação para essas áreas –, e pelas relações físicas que a cenografia tem com a música, a partir da ideia espacial que toca as duas.

A partir daí, o bicho pegou! Começou com o Marco colocando que, na sua experiência pessoal, a tese que o Danilo defende de que os conceitos musicais já são inerentes ao senso comum é falsa, porque ele se depara com diversas experiências no qual as pessoas não conseguem manter uma pulsação ou uma divisão rítmica simples, por exemplo. O Danilo disse que na experiência dele isso nunca existiu, e o primeiro impasse se instaurou no Barracão.

Em seguida, dentre inúmeras falas, o Rafael (Telles, produtor dos Clowns) disse que discordava do Sávio quando ele falou que não existia a possibilidade de criação coletiva, pois toda criação é individual. A partir de então, o caos aflorou! O Sávio replicou colocando que não acreditava nos processos de criação coletiva que surgiram a partir de experiências como o proposto pelo grupo colombiano La Candelária na década de 60, tocando exatamente na ferida do Ói Nóis – ao meu ver, sem a noção do tamanho da afronta que estava cometendo (sim, Taninha, pode comentar aqui que tem certeza que foi proposital!!!) –, e a partir daí estabeleceu-se um embate caloroso sobre a suposta impossibilidade de se criar coletivamente. Os defensores – Sávio e Danilo – afirmavam que qualquer criação é individual, e que a única coisa possível é se construir coletivamente, e não criar. Os opositores, Ói Nóis e mais alguns outros, afirmavam que qualquer criação que se dava na relação de jogo era de autoria coletiva. O debate se estendeu enormemente, com um lado argumentando fortemente a favor da criação coletiva, e do outro os professores afirmando que se tratava de uma questão etimológica, numa clara postura de que “nada mudaria a ideia deles”.

Como sou o relator “oficial” deste espaço, me darei o direito de expor a minha posição diante disso, como coloquei no bate-papo. Na forma como estava acompanhando o raciocínio do Sávio, ele inicialmente estava falando sobre o processo mental da criação de uma ideia, tanto é que citou uma conversa dele com o César, certa vez, em que eles vislumbravam um dia a possibilidade de um upload/download de pensamento, de cérebro para cérebro. Ele estava defendendo que só era possível a criação de uma ideia individualmente, já que não é possível se estabelecer uma sinapse de neurônios de cérebros diferentes. No entanto, usou o termo que criação coletiva não era possível, o que mexeu com o Ói Nóis, e com a pergunta do Rafa o Sávio desviou do que falava inicialmente, e acabou se posicionando sobre a questão da criação coletiva/processo colaborativo dentro do teatro, de forma muito incisiva, e aí a discussão foi pra outro lugar. No final das contas, eu acho que o Sávio e o Danilo estavam equivocados em entender que apenas uma ideia é criada, como se uma cena não pudesse ser criada também, apenas construída. Obviamente que uma cena pode ser criada, e no momento em que surge a partir de proposições de diferentes pessoas, passa a ser de autoria coletiva, independente de estar num processo colaborativo, de criação coletiva ou direção autocrática. Com um lado falando sobre uma coisa, e o outro sobre outra, o impasse estava fadado a se prolongar ad infinitum, sem que nada fosse transformado na cabeça de nenhum dos lados, mesmo eu acreditando que os que atacavam a ideia da impossibilidade do coletivismo na criação tinham razão. No entanto, cada lado estava falando sobre coisas diferentes, e o embate caiu numa situação em que um lado deixava clara a urgência em convencer o outro, enquanto o outro deixava também claro que não iria se deixar dobrar sob hipótese alguma, porque a questão estava colocada na etimologia. Enfim, apesar de um tanto inútil, a discussão foi muito animada, é sempre bom ver argumentações de pessoas inteligentes, e deu uma animada na noite! Além disso, me deliciei em ver a queridíssima Tânia Farias, companheira de tantas lutas, defendendo o seu ponto de vista com todo o coração, como é peculiar a essa figurinha tão especial. O que falta em tamanho sobra em dignidade, inteligência, garra e paixão pelo que faz e acredita. Evoé, Taninha!

É importante relatar que o Ernani, no final, colocou um exemplo, ao meu ver, um tanto definitivo: Ele disse que se ele pedir para três atrizes improvisarem a partir de um tema comum, não há como negar que a criação daquele material é das três. Obviamente, nem com este argumento os defensores abriram mão de sua posição, já que àquela altura o embate de forças já era mais importante do que a questão em si!

Ao fim e ao cabo, acho que foi excelente levantar essa bola, já que tenho um palpite que, mesmo sem ter o enfoque que teve, a música está sendo o fio condutor para, nesse projeto, tocarmos um ponto ainda mais rico de reflexão e encontro entre nossos grupos, que é justamente a questão das diferentes formas de condução de trabalho, em todas as suas idiossincrasias, diferenças e semelhanças.

Simbora!

Um comentário:

  1. Foi um barato participar da discusão. Acho que poderíamos, se tivéssemos mais tempo, retornar para o assunto tema, que era a questão das técnicas de aprendizagem da música e sua relação com o teatro e com o que se faz nele. A questão da criação/construção é particular e cada um resolve de sua maneira. Mas preciso corrigir uma coisa na análise do Fernando: Eu continuo acreditando firmemente que idéias são criações particulares, mas não estendo esse conceito à criação cênica, que pode ser feita coletivamente. Na verdade, não consigo conceber uma cena feita com uma idéia apenas. Uma cena é um conjunto complexo de idéias das mais variadas naturezas. Abração.
    Danilo Guanais

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