sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Relato da oficina de Johan Alex de Souza, por Rodrigo Bico

Todas as fraquezas de um ator revela-se nos seus processos criativos, são nestes momentos que devemos arriscar todas nossas fichas, numa busca contínua de uma cena que pareça ao espectador da maneira em que a concebemos. Sempre revelei-me muito frágil no tocante ao uso da música na cena, sempre vi-me enclausurado nas minhas próprias barreiras ao ouvir uma nota no piano e ter que reproduzi-la... são muitos os anseios e as angústias... mas pra esse primeiro dia de trabalho na oficina Ministrada por Alex (Diretor Musical do Ói Nóiz Aqui traveiz) entrei de peito aberto, assumindo desde já meus problemas, aproveitando a fala em que todos se colocaram, e que também não fui o único com tais barreiras. O coletivo da oficina representado por grupos de teatro da cidade, artistas independentes e músicos, apresentou-se já no primeiro contato muito bem entrosado, nossa pequena cidade nos permite conhecer bem as pessoas, e quando se trata de artistas essa intimidade amplia-se mais ainda, todos falaram seus nomes cantando, cada um ao seu modo, no seu tempo, com suas limitações, longe de olhares reprovadores, brincando como se brincam as crianças, talvez envolvidos pela cantiga, o balançar e jeito doce e carinhoso do Alex, com corpo e voz franzinos e com aquele sotaque peculiar aos gaúchos1.

A oficina Música da Cena proposta pelos Grupos Clowns e o Ói Nóiz, do RN e RS respectivamente, tem o caráter de intercâmbio, e como tal valoriza a troca de saberes e de práticas culturais, e após executadas as apresentações (musical e formal) tivemos o prazer de conhecer um pouco dos ritmos e da história do povo gaúcho, ouvindo e cantando canções de ritmos populares do sul do nosso país. Ficamos todos encantados e envolvidos com a música do Bugio, composta pelo próprio Alex, mas que explica o surgimento de uma música popular da região criada a partir do ronco do macaco que dá nome ao ritmo. Ouvimos e cantamos também a Cantiga de Rio e Remo, de domínio público, com melodia e letra até então desconhecidas para todos, mas que permeia o imaginário popular gaúcho. Nosso oficineiro explica e justifica a importância de artistas de Teatro trabalharem com músicas desconhecidas, pois é assim que mais se apresentam para os atores as músicas concebidas pelo/para espetáculo.

O grande grupo foi dividido em grupos de 5 pessoas, em que cada subgrupo escolheu uma das músicas para exercitarem mudanças e proporem uma ideia a ser apresentada a todos. Por coincidência a única música trabalhada foi a do Bugio, houve grande surpresa nos resultados, surgiram propostas bem diferentes: Rap, coco, coral e forró. O uso dos instrumentos auxiliou na criação, mas também utilizaram os sons corporais para a sonorização da cantiga. Um dos grupos ainda explorou a relação entre espectador e plateia, pedindo para que todos da roda ficassem bem próximos deles para a execução do canto, que mostrou-se mais intimista e que necessitava dessa maior proximidade para valorizar sua escuta.

O diretor musical de um espetáculo deve sempre estar munido de várias estratégias para a criação e condução da música da cena. Nesse primeiro dia de trabalho podemos perceber o quão pode e deve ser aberto o leque de possibilidades para essas criações. Desde a utilização de paródias até a composição original de músicas para determinado espetáculo, passando ainda pela musicalização de poemas e a substituição e/ou troca de letras em melodias diferentes as suas de origem.

Com os mesmos grupos já formados, parodiamos a famosa música em que sempre cantamos ao comemorar nossa data de natalidade. A indicação era de que: Uma mulher entregaria ao seu marido que seu filho não era dele, em sua festa, e com a música do “Parabéns pra você”, tivemos aqui mais uma série de surpresas a cada resultado apresentado, enquanto uns tentavam algo mais singelo e sem muito escracho, outros chutavam o pau-da-barraca e apresentaram músicas ácidas e recheadas de conotações sexuais. Abaixo descrevo a paródia criada pelo grupo em que participei:


Júnior não é de você

talvez do motorista

seus serões até tarde

me fizeram vigarista


Não dei só pra você

dei também pro Batista

nem sei mais de quem é

pode ser do dentista


Cê já deve saber

anuncio minha partida

e eu dormir com você

nunca mais nessa vida


De maneira muito divertida o tempo passou e cantamos, brincamos e aprendemos um pouco da cultura de um povo brasileiro de um Rio Grande de terra fria, que com seus traços e seus cantos vão além das ruas de Porto Alegre em corpos de ativistas da cena, de atuadores, e que nesta semana pousam no Rio Grande de terra quente para este intercâmbio que vai muito mais além da relação entre dois grupos, mas que é compartilhado em diversas formas com os artistas potiguares, numa busca frequente de um fazer artístico cada mais significativo e, consequentemente, revolucionário.

Quanto a mim, cantei com toda força que pede o meu corpo, entendendo que talvez seja esse o caminho menos doloroso para que eu busque cada vez mais uma música minha, em mim e para o meu teatro.


Rodrigo Bico

Grupo de Teatro Facetas, Mutretas e Outras Histórias


1 Talvez os mesmos tenham falado a mesma coisa de nosso sotaque por lá.

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